sexta-feira, 6 de abril de 2012

VERANEIO VASCAÍNCA TEM VISÃO PRECONCEITUOSA E LOMBROSIANA.


                                                        Cesare Lombroso 1835 a 1909. Legista italiano do  final do século XIX e início do XX defendia ter os criminosos genética de bandido e características de negro e índio, sendo as favelas e periferias do mundo o local onde tal gen era desenvolvido


                   A polícia contemporânea ainda se utiliza das mesmas cores da antiga Veraneio.




Por muitos anos  a censura da ditadura militar proibiu a publicação de infinitas   músicas devido conteúdo de letras consideradas subversivas. Atingia não somente o segmento musical, mas também   a literatura, o teatro e  o cinema. A crítica  severa de intelectuais especializados em arte de certo modo também   fez  muitos projetos artísticos caírem por terra,  antes mesmo de serem sequer publicados. A questão é que a censura acabou e a  crítica da arte made in Brazil parece estar submersa.  Após muitas pesquisas, por exemplo, de uma flagrante letra preconceituosa do rock nacional, nada  encontrei que apontasse qualquer   crítica menor ou maior  ao  conteúdo de  Veraneio Vascaína, concebida por ocasião do grupo de Renato Russo pré Legião Urbana, Aborto Elétrico. Discuti com um dos detentores de direitos conexos da mesma, Loro Jones (ex-integrante do Capital Inicial e que gravou as guitarras da track), acerca da discriminação contra o pobre,  flagrantemente contida na letra . Nem sequer entrei no preconceito contra policiais honestos que fazem contra-ponto com a banda podre da polícia. Contudo, mesmo não sendo autor, Loro defendeu de forma aguerrida, porém,   sem qualquer fundamentação que  afastasse ou derrubasse  a crítica  que irei apontar  abaixo.

Renato Russo e Flávio Lemos são os compositores do hit gravado pelo Capital Inicial, Veraneio Vascaína. Além de  apontar  problemas de repressão do baixo regime militar, pois este estava em decadência, a canção traz  algo mais  do que uma simples crítica de rockeiros rebeldes. Contêm o que qualquer estudante de Direito conhece muito bem, uma visão lombrosiana da classe menos  favorecida (Lombrosiana por fazer alusão inconsciente a Cesare Lombroso, legista italiano do  final do século XIX e início do século XX, que   defendia ter os criminosos genética de bandido e características de negro e índio, sendo as favelas e periferias do mundo o local onde tal gen seria  desenvolvido. Em outras palavras, o criminoso já nascia com o gen de bandido por ser negro e pobre).  Indo direto à vaca fria, a música tem  trechos pleonásticos  e uma estrofe pesadamente  discriminatória nos moldes de Lombroso.  São,  respectivamente:

a)  Cuidado pessoal lá vem vindo a veraneio ...   e
b)  Porque pobre quando nasce com instinto assassino,
    sabe o que vai ser quando crescer desde menino.
    Ladrão p´ra roubar, ou marginal p´ra matar.
    Papai, eu quero ser policial quando eu crescer.

a)      Na primeira linha a licença poética vai escusar o pleonasmo de lá vem vindo... Além da frase seguir  o exemplo pleonástico no mesmo sentido   de descer para baixo ou subir para cima, o trecho ainda   tem   cacofonia ao formar a palavra lavem  nesse ponto. Vale a pena repetir a questão da  licença poética  ter o poder de resolver esses problemas. O que interessa apontar nessa matéria, contudo, vem em seguida.

b)      Poque pobre quando nasce com instinto assassino... e vai até Papai eu quero ser policial quando eu crescer. Pois bem, o hino dos então jovens de classe média alta de Brasília, Renato Russo e seu amigo co-autor,  enxergaram e reproduziram na música  a repressão sofrida pela polícia da ditadura em pelo menos três aspectos.  O primeiro é acertado  e ataca a polícia  de então, que  por si só era opressora; o segundo ataque é contra a   reprimenda  ao uso de entorpecentes, o que  também provocou  os jovens (a repressão de entorpecentes continua sendo função da polícia por força da lei 11.343 de 2006, Lei das Drogas). Perceba que os policiais  dessa época  usavam  viaturas de marca  Veraneio,   de cor preta, branca e vermelha, de onde vem o título Veraneio Vascaína.  Revoltados  com a situação nada fácil daquele cenário decadente da história do Brasil e com as ações de combate  ao uso de entorpecentes, os rockeiros com pitadas de punk  de Brasília elaboraram  a letra dessa música incluindo o que  vem a ser  o terceiro e pernicioso aspecto da obra: o preconceito contra pobre com o corolário  lombrosiano,  sem qualquer rodeio: Porque pobre quando nasce com instinto assassino, sabe o que vai ser quando crescer desde menino. Ladrão p´ra roubar (outro pleonasmo), marginal p´ra matar . Papai eu quero ser policial quando eu crescer. Atinge   preconceituosamente pobres e policiais. Não é difícil perceber  a origem da  inspiração  quando se tem em mente o que já disse acerca  do contexto sócio-econômico de  Renato Russo e Flávio Lemos, ou seja,  jovens de classe média alta, moradores das nobres quadras da Asa Sul e  do Lago Sul de  Brasília, respectivamente. Por outro lado, seria pedir demais que os dois guris, no bom sentido, pudessem apontar quais eram  os fatores de poder que regiam  as forças policiais daquele tempo. Não são os pobres que nascem com instinto assassino. Se alguém nasce assim é questão séria para a biologia, antropologia e psiquiatria.   A minoria dos poderosos do mundo  é que  sempre promoveu  saques a cidades inteiras, países e ao mundo. Geram má distribuição de renda e falta de recursos públicos para a educação, a segurança e a saúde. O pior é que esses sim,  nascem  em berços de ouro e tem a melhor educação possível. Como explicar se tem, então, instinto assassino por reproduzirem as maldades e mazelas políticas por tradição herdada pelos pais, avós e bisavós? Mesmo nesse caso repudiamos qualquer tese lombrosiana ao contrário, apontando ricos com gens criminosos. Tá amarrado! Certo é que  quando assim procedem reproduzem  o que fizeram seus antepassados poderosos e,  obviamente , matam de fome, de raiva e de sede!  Hospitais sem médicos e sem remédios, a fila do INSS e a falta de professores fazem parte do quadro que promove  situações de morte, terror e pânico. E todo um sistema há muito montado  maqueia a situação de desigualdade, o que engloba a justiça, a mídia, a  polícia e outros meios. Isto irá clara e lamentavelmente  prender e apontar o pobre como responsável pelas tragédias sociais. Inclusive, a repressão. Infelizmente  o jargão histórico pode muitas vezes ser aplicado, pois, o povo que não conhece sua história está condenado a repetí-la.    E não há novidade para a civilização da atualidade. Quer na história contemporânea, quer na antiga, a situação se repete .  O Padre e escritor da literatura brasileira,  Antonio Vieira,  há muito  denunciara   (século XVII)  em seus Sermões que no Brasil as autoridades prendiam  ladrões de peixes e deixavam seguir  livres os que saqueavam  cidades inteiras. Os jovens compositores de Veraneio Vascaína certamente não escreveriam com essa mesma ótica caso conhecessem as teorias de Cesare Lombroso, que muito serviram à cúpula da política italiana e todo o mundo positivista de sua época. Em nossos dias podemos ver resquícios da ridícula teoria de Lombroso nos quatro cantos da Terra. Nada fácil, então, defender Veraneio Vascaína, quando se tem informação histórica e o mínimo de interpretação da letra da música em seu mais profundo significado, talvez totalmente desconhecido até hoje pelos autores.  Loro Jones tentou a defesa e desistiu, mesmo tendo  suporte de um publicitário fã das bandas de Brasília, porém,  sem qualquer informação adicional que afastasse a matéria do preconceito contra os pobres e desfavorecidos.  Se se informassem  devidamente sobre  quais eram  os fatores de poder que regiam e continuam regendo  a polícia, a política e encarceram  os pobres em detrimento da liberdade dos criminosos de colarinho branco, abandonariam rapidamente a tese. Ou não. Justo Veríssimo, personagem que odeia pobre, criado por  Chico Anísio para ironizar quem assim procede,  com certeza abraçaria essa infame tese.  E mais. Tais fatores que oprimem a classe pobre são os mesmos que deixam passar pelo salvo conduto da impunidade  governadores e banqueiros corruptos, no mesmo sentido apontado por Antonio Vieira. Se alguem duvida, pergunte: Quem viu preso qualquer dos poderosos dos mensalões ?  Foram Arruda, Prudente, Brunelli e Eurides presos por sentença condenatória transitada em julgado? Daniel Dantas, Genebaldo, João Alves etc. etc. etc. foram condenados e punidos ?  Portanto, jovens, senhoras e  senhores escritores de banda de rock,  grupo de samba ou seja lá o que for.  Poetas ou artistas plásticos. Viva a crítica! Faz pensar. Pobre, minha gente (esse minha gente é   para lembrar Fernando Collor mesmo), é reproduzir conteúdo de  preconceito contra quem quer que seja e sequer perceber o que se está fazendo ou se  dispondo a fazer. Pobre  não nasce com instinto assassino, se não nos livros de Cesare  Lombroso. O cometer infrações e crimes  não tem classe ou cor certa.  Humanos cometem indistintamente infrações, independente de condições menos ou mais favoráveis. E Veraneio Vascaína em um país mais atento e  aculturado  há muito já teria sido devidamente denunciada  por qualquer pessoa melhor  informada,    pelo lamentável conteúdo de  preconceito explícito e descarado disfarçado de denúncia  na letra,  cujo início vem vindo e apontando ter   pleonasmo,  cacofonia e discriminação.

           por Rogério Águas